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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM



As dificuldades de aprendizagem tornam-se um grande desafio a educadores, uma vez que estas podem advir de fatores orgânicos ou emocionais, tornando-se primordial que sejam realizadas as devidas investigações de cada caso para que se certifique das causas complicadoras da aprendizagem de cada aluno. Os culpados pelo não-aprender se alteram ao longo do tempo, conforme discorrem Mori e Bicudo (2009).
A princípio, as causas eram biológicas, quando a psicologia sofreu influências da medicina e tentou aplicar testes de inteligência. Em seguida, figuraram-se as causas ideológicas, buscando explicar e justificar o não-aprender dos alunos pobres, de classes sociais menos prestigiadas e até os imigrantes. Prevaleceu, neste momento, a Teoria da Carência Cultural, cuja qual “tinha como hipótese que as crianças que não progridem na escola são produto de um ambiente sociocultural desfavorecido, que oferece baixa estimulação linguística, cognitiva e psicomotora”. (MORI; BICUDO, 2009, p. 49). Depois surgiram as causas metodológicas, questionando o sistema escolar, pois este deveria ser voltado para o aluno e nas especificidades dele.
Patto (1996 apud MORI; BICUDO, 2009, p. 48); menciona teses psicológicas e hipóteses racistas, que foram utilizados para explicar a causa do fracasso escolar. Como discorre a seguir.

[...] a criança que apresentava problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passou a ser designada como criança problema... se antes elas são decifradas com os instrumentos de uma medicina e de uma psicologia que falam em normalidades genéticas e orgânicas, agora o são com instrumentos conceituais da psicologia clínica de inspiração psicanalítica, que buscam no ambiente sócio familiar às causas dos desajustes infantis. (PATTO, 1996 apud MORI; BICUDO, 2009, p. 43-44).

Fato é que sempre se buscou culpar um fator específico. Quer família, quer genética, quer cultura, quer metodologia, como se as causas reais do não-aprender fosse apenas um, como se o alunado fosse homogêneo. Ainda hoje, existem diversos relatórios de professores indicando tratamento psicológico e fonoaudiólogo aos seus alunos, transformando problemas de ordem pedagógica e institucional em problemas de saúde mental. (MACHADO, 1997 apud MORI; BICUDO, 2009, p. 50).
Todavia se faz cogente uma análise mais abrangente, aberta e menos focada, ao invés de focar-se em uma única causa. Como reforça Collares e Moysés.

Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento que, na verdade, é vítima, seja a criança, a família, ou o professor, nada constrói, nada muda. Imobilizante, constitui um empecilho ao avanço das discussões, da busca de propostas possíveis, imediatas e a longo prazo, de transformações da instituição escolar e do fazer pedagógico. (COLLARES; MOYSÉS 1996 apud MORI; BICUDO, 2009, p. 51).

Desta feita, inicialmente o conceito de dificuldade de aprendizagem foi usado de forma ideológica para explicar e justificar o fracasso de crianças provenientes de grupos sociais desprivilegiados, sugerindo uma suposta falta de capacidade dos negros para a leitura. Enquadravam nas últimas categorias os negros, os pobres e os migrantes; nas primeiras, as crianças de classe média. Na década de 1970 passou a ser classificado como distúrbio, com destaque para os problemas de leitura e linguagem dominavam a cena, já que cerca de 60% das deficiências de aprendizagem residem na área da leitura, problemas na escrita e na fala.
De acordo com Sisto e Martineli (2006 apud PAIVA; AZEVEDO, 2012), em 1980, estudos realizados no Texas consideraram como sendo os problemas mais típicos das crianças com dificuldade de aprendizagem as falhas na escola, deficiência em leitura, escrita e linguagem, imaturidade e desempenho sociointerativo inferior à média. No Brasil, de acordo com o censo 2010, 15,2% das crianças não se alfabetizam até os 8 anos de idade. No Nordeste, o índice chega a 25,4% e na região Norte a 27,2%. (BRASIL, MEC, 2012). Dados de 2011 da Prova ABC, a Avaliação Brasileira do Ciclo de Alfabetização[1], revelou que, ao final do terceiro ano do ciclo de alfabetização, 53,3% dos estudantes alcançaram os patamares desejados em escrita, 56,1% em leitura e apenas 42,8% em matemática. Ou seja, segundo a Prova ABC, cerca de metade dos alunos que concluíram o ciclo de alfabetização não atingiram as competências esperadas nas áreas avaliadas. (UOL, 2012). Isso comprova as assertivas de Paiva e Azevedo (2012), para os quais muitas crianças deixam a escola ou terminam o fundamental sem saber ler e escrever.
O fato de existirem crianças que não conseguem alcançar sucesso na aprendizagem escolar sempre incomodou os estudiosos das diversas áreas do saber. Analisando os problemas de aprendizagem, chega-se a variados termos e definições, sem, contudo, poder se formular um conceito pronto e acabado. Para Ciasca (2003) Distúrbio de Aprendizagem (DA) é uma disfunção do Sistema Nervoso Central, portanto “um problema neurológico relacionado a uma falha na aquisição do processamento, ou ainda no armazenamento da informação, envolvendo áreas e circuitos neuronais específicos em determinado momento do desenvolvimento”. (CIASCA, 2003, p. 5)
Salienta-se que, além das Dificuldades de Aprendizagem (DA) temos ainda a Dificuldade Escolar em que “a criança que não aprende pode ter um problema pedagógico relacionado à falta de adaptação ao método de ensino, à escola de ensino ou tenha outros problemas de ordem acadêmica”. (CIASCA, 2003, p. 5).
Desta forma, estudos acerca das dificuldades de aprendizagem foram alterando no decorrer do tempo, considerando-se atualmente que o aluno não é o único responsável pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem. E passou-se a considerar o fato de que os problemas de aprendizagem podem ser gerados, também, pelo ambiente educacional; mas sem perder de vista as possíveis origens orgânicas e intrínsecas ao sujeito.
A associação de causas é postulada por Rutter e Sroufe (2000 apud MEDEIROS et al.., 2003), pois consideram o funcionamento comportamental e biológico como parte de um sistema geral de regulação e adaptação do desenvolvimento infantil, integrando processos individuais e contextuais em um modelo dinâmico. Este modelo partilha das proposições da visão ecológica do desenvolvimento, entendendo que a escola, além da família, é um dos primeiros contextos sociais que proporciona à criança o contato com novas oportunidades ampliando o universo de interação com adultos e crianças. Falaremos de cada uma delas.
Algumas causas orgânicas são listadas como motivadoras das dificuldades de aprendizagem. Dentre elas estão a:
a) Dislexia: é a dificuldade que aparece na leitura, impedindo o aluno de ser fluente, pois faz trocas ou omissões de letras, inverte sílabas, apresenta leitura lenta, dá pulos de linhas ao ler um texto, etc. Estudiosos afirmam que sua causa vem de fatores genéticos, mas nada foi comprovado pela medicina. De acordo com Rutter (apud FONSECA, 1995), a dislexia ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológico de uma instrução escolar adequada e de oportunidades culturais suficientes; além disso, depende de uma perturbação de aptidões cognitivas fundamentais muitas vezes de origem constitucional. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
b) Disgrafia: normalmente vem associada à dislexia, porque se o aluno faz trocas e inversões de letras, consequentemente encontra dificuldade na escrita. Está associada a letras mal traçadas e ilegíveis, letras muito próximas e desorganização ao produzir um texto, dificuldade espacial se revela na falta de domínio do traçado da letra, subindo e descendo a linha demarcada para a escrita. (PAIVA, 2012).
c) Discalculia: é a dificuldade para cálculos e números, de um modo geral os portadores não identificam os sinais das quatro operações e não sabem usá-los, não entendem enunciados de problemas, não conseguem quantificar ou fazer comparações, não entendem sequências lógicas. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
d) Dislalia: é a dificuldade na emissão da fala, apresenta pronúncia inadequada das palavras, com trocas de fonemas e sons errados. Manifesta-se mais em pessoas com problemas no palato, flacidez na língua ou lábio leporino. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
e) Disortografia: é a dificuldade na linguagem escrita. Suas principais características são troca de grafemas, desmotivação para escrever, aglutinação ou separação indevida das palavras, falta de percepção e compreensão dos sinais de pontuação e acentuação. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
f) TDAH: O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um problema de ordem neurológica, que traz consigo sinais evidentes de inquietude, desatenção, falta de concentração e impulsividade (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
g) Hiperatividade: Refere-se à atividade psicomotora excessiva, com padrões diferenciais de sintomas: o jovem ou a criança hiperativa com comportamento impulsivo é aquela que fala sem parar e nunca espera por nada; não consegue esperar por sua vez, interrompendo e atropelando tudo e todos. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
h) Hipoatividade: caracteriza-se por um nível baixo de atividade psicomotora, com reação lenta a qualquer estímulo. Comumente o hipoativo tem memória pobre e comportamento vago, pouca interação social e quase não se envolve com seus colegas. (PAIVA; AZEVEDO, 2012).
Na visão de Veiga (2012) toda informação recebida pelo cérebro passa por uma área chamada de amígdala cortical que forma o “sistema límbico”. Ela associa qualquer novo conhecimento a um já existente. Nesta área encontra-se a afetividade. A amígdala funciona como um alarme que assume e dirige grande parte do resto do cérebro. Posteriormente, essa informação é analisada de forma mais inteligente pelo córtex pré-frontal, que traz uma resposta mais adequada aos impulsos recebidos.   
Por outro lado Veiga menciona também os fatores emocionais como motivadores ou não da aprendizagem. A partir da obra Inteligência Emocional, de Daniel Golemam (2001 apud VEIGA, 2012), certifica-se que o cérebro perde as ligações neurais menos usadas forma outras resistentes nos circuitos sinápticos mais utilizados. Diante de seus problemas socioemocionais, deve sentir-se que é mais forte que suas dificuldades e lutar contra elas.
Isto se torna um campo relevante para o trabalho psicopedagógico, conforme ratificam os estudos de Veiga (2012), para o qual o QI determina apenas 20% da chance de sucesso na vida, de modo que os 80% restante são determinados por fatores tais como a inteligência emocional e contexto social. Ainda, segundo o pesquisador, uma criança prejudicada socialmente, geralmente apresenta traços de inferioridade, podendo demonstrar carências desde econômicas às psicológicas, tornando-se apática, alheia à sua própria aprendizagem, manifestando, na escola, sob a forma de timidez ou violência. (VEIGA, 2012).
Nas palavras de Veiga (2012), a partir deste conhecimento, os professores podem encaminhar os alunos aos profissionais que possuem formação específica para diagnosticarem o “problema” que está causando dificuldade de aprendizagem no seu aluno. Vygotsky (apud REGO, 1996) pondera que o papel do professor se restringe em observar o aluno e auxiliar o seu processo de aprendizagem, tornando as aulas mais motivadas e dinâmicas, não rotulando o aluno, mas dando-lhe a oportunidade de descobrir suas potencialidades.
Surge, então, a psicopedagogia, que tem a concepção de acompanhar aprendizagem verificando o processo, o humano, o biológico, suas características afetivas e intelectuais próprias participam ativamente, interferindo nas relações do sujeito, sendo que essas características influenciam e sofrem influências das condições socioculturais do sujeito e do meio. Sendo clínico ou preventivo, o trabalho psicopedagógico é teórico, tendo em vista a necessidade de se refletir sobre a prática.
De acordo com Visca, a Psicopedagogia foi inicialmente uma ação subsidiada da Medicina e da Psicologia, perfilando-se posteriormente como um conhecimento independente e complementar, possuída de um objeto de estudo, denominado de processo de aprendizagem, e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. (VISCA apud BOSSA, 2000, p. 21).
No âmbito clínico tem como tarefa a investigação e a intervenção para que compreenda o significado, a causa e a modalidade de aprendizagem do sujeito, com o intuito de sanar suas dificuldades. A marca diferencial entre o psicopedagogo e outros profissionais é que seu foco é o vetor da aprendizagem, assim como o neurologista prioriza o aspecto orgânico, o psicólogo a psique, o pedagogo o conteúdo escolar.
Cabe ainda, ao Psicopedagogo assessorar a escola, alertando-a para o papel que lhe compete, seja reestruturando a atuação da própria instituição junto a alunos e professores, seja ainda redimensionando o processo de aquisição e incorporação do conhecimento dentro do espaço escolar, seja encaminhando alunos para outros profissionais. (BOSSA, 2000).
No âmbito institucional a Psicopedagogia assume um compromisso com a melhoria do ensino, atendendo, sobretudo aos problemas cruciais da educação no Brasil. A Psicopedagogia tendo como fenômeno de estudo o aprender e o não-aprender, na instituição escolar, a ação e investigação psicopedagógica teriam como foco a prevenção das dificuldades de aprendizagem. Assim, a Psicopedagogia visa problematizar as possibilidades de aprendizagem existentes em todos os espaços sociais nos quais ocorram processos de ensinar e aprender.
 Conhecer este percurso, segundo Bossa (2000), é traçar o movimento de historicidade da construção desta área, melhor compreendendo o processo da aprendizagem humana, de modo que compete ao psicopedagogo, seja clínico ou institucional, refletir a respeito do aluno, buscando entender em que contexto de aprendizagem e de dificuldades de aprendizagem envolvidas no processo educativo.




Aparecida S. delgado



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